quarta-feira, 25 de junho de 2008

Poesia e experiência poética na atualidade




por Ada Lima

Os poetas de hoje têm a felicidade de não precisar seguir modelos. Graças à reação dos escritores modernistas ao parnasianismo, estamos livres da obrigação de escrever em formas fixas, catar rimas preciosas, contar as sílabas de cada verso e organizá-las conforme a tonicidade... Mais transpiração do que inspiração. Forma em primeiro lugar. Claro que houve poetas parnasianos capazes de unir conteúdo e estampa. No entanto, o culto à forma possibilitou a criação de poemas tecnicamente perfeitos, mas vazios.
Por outro lado, liberdade demais é um perigo. Há quem escreva qualquer coisa de qualquer jeito e diga que faz poesia contemporânea. Ora, liberdade não é motivo para descuido. Afinal, a poesia pode não precisar de um molde, mas tem parâmetros de qualidade. Pensemos em Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira e tantos outros que foram brilhantes, sobretudo ao escrever em versos livres, sem rimas, sem métrica. São grandes porque cumpriram o que T.S. Eliot, em seus ensaios, diz ser a tarefa do poeta: preservar a língua e aperfeiçoá-la, ao utilizá-la para exprimir os próprios sentimentos e os das outras pessoas, de tal forma que torna os leitores conscientes do que sentem, fazendo com que eles aprendam algo sobre si.
Creio que seja esta a principal característica da boa poesia. Venha em forma de soneto ou como uma união de versos livres, o poema deve fascinar o leitor. Os primeiros poetas modernos conseguiam este efeito através das dissonâncias. No livro Estrutura da lírica moderna, Hugo Friedrich aponta a “tensão dissonante” como característica essencial das artes modernas em geral. A dissonância é explicada por Friedrich como um misto de fascinação e incompreensibilidade, resultado da obscuridade do conteúdo dos textos. Conclui-se, daí, que os poetas modernos não pretendiam ser claros ou mostrar a realidade de maneira objetiva, mas chegar ao âmago do leitor. O francês Charles Baudelaire já dizia que “existe certa glória em não ser compreendido”. Ou seja: os poetas não têm obrigação alguma de comunicar, mas devem provocar o leitor, de alguma forma. Deixemos a comunicação clara e objetiva aos textos jornalísticos, por exemplo (embora nem todos cumpram tal proposta).

Não parece fácil, e não é. Nem todos os leitores estão dispostos a acostumar os olhos à novidade da poesia. Talvez seja este um dos maiores dilemas enfrentados pelos poetas, desde o desabrochar da lírica moderna. É difícil encontrar um escritor que nunca tenha ouvido algo como: “não compreendo o que você escreve, você é obscuro, parece escrever só para você”.

O fato é que um meio de criação poderoso como a poesia não precisa ser utilizado para transcrever a realidade. Um poema pode ser uma porta para outro mundo, no qual as sensações dão o tom das experiências e revelam o que não surge à primeira vista; nesse sentido, a poesia é também revelação, não do que vemos todos os dias, mas do que se esconde por trás de nossa consciência. Para tanto, é necessário entregar-se ao que o escritor e ensaísta mexicano Octavio Paz chamou de “trato desnudo do poema”. É necessário que o leitor se dê conta de que o fascínio da poesia não está em fatores externos ao texto: está na própria poesia, no encantamento produzido por cada imagem, cor ou som evocado pelas palavras. Somente assim, a experiência poética se concretiza.

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